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Artigo

Antinomias desencadeadas pela mercantilização do Turismo em Porto Seguro, por Elissandro dos Santos Santana, Denys Henrique Rodrigues Câmara e Radharani Cabrera Teixeira de Arruda

Antinomias desencadeadas pela mercantilização do Turismo em Porto Seguro

Por Elissandro dos Santos Santana1, Denys Henrique Rodrigues Câmara2 e Radharani Cabrera Teixeira de Arruda3

turismo

[EcoDebate] As antinomias e tensões em decorrência da indústria insustentável do turismo em Porto Seguro desencadeiam déficits socioambientais que inviabilizarão as atividades turísticas na região.

É significativo sobrelevar que tais atividades sempre foram concebidas e geridas com base em uma ótica predatória e esta concepção coaduna com os pressupostos da pós-modernidade, em que a plasticidade e a liquidez sustentam e retroalimentam os imaginários socioculturais locais em torno do conceito obsoleto de desenvolvimento por meio de visões ancoradas no tripé teórico clássico da economia, da política e do meio ambiente.

Essa percepção equivocada atravancou uma racionalidade ambiental sustentável no turismo e coisificou os espaços sócio-histórico-político-cultural-ambientais da cidade. Em decorrência disso, instalou-se um paradoxo e uma antítese profunda, pois se o turismo é a principal fonte econômica da cidade, sua exploração deveria ser pautada por uma agenda que levasse em consideração a preservação e a conservação dos recursos naturais dos quais a própria indústria turística se vale.

Não bastassem todos os impasses, o fluxo turístico na cidade amplifica-se a cada ano e, com isso, aumentam exponencialmente as pegadas ecológicas na região.

Atualmente, em função do turismo e de outras atividades correlacionadas, um dos mais graves entraves do município é a especulação imobiliária, pois ela contribui para o crescimento acelerado, com a ocupação de espaços naturais e estresses na fauna e na flora. Além disso, o crescimento urbanístico a partir dos muitos condomínios em construção na cidade alcança áreas próximas a aldeias e reservas indígenas.

Feita a discussão acima, pode-se colocar que a coisificação e/ou “objetificação” de Porto Seguro resultam do modus operandi da imagética construída pela própria indústria turística junto às agências de viagem de todo o Brasil e a outros mecanismos midiáticos de promoção do turismo da cidade como paraíso a ser explorado-usado sem limites.

Para compreender como os espaços são coisificados na cidade, pode-se recorrer ao artigo “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro–Bahia”, publicado na Revista Letrando no ano de 2016, pois nele são apresentados alguns roteiros da cidade que sofrem impactos por conta do turismo predatório. No texto em discussão, menciona-se que há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, espaço no qual, diariamente, são armadas barracas para a venda de alimentos, de bebidas e de artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém que desagua no mar, e, após algumas das festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além dessas ocorrências, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos e, para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte todos os anos.

No mesmo artigo acima, tem-se que do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações, ao que tudo indica, são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, nos períodos mais movimentados, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2.

Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso. Nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são erguidos e, em virtude do sucesso econômico da indústria turística de exploração, o distrito atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.

Ainda no mesmo artigo, observa-se que o turismo é uma atividade que possibilita o trânsito de pessoas, de cultura, de saberes e de geração de riquezas. Tudo isso encontra relação com o Turismo como um campo afeito a tensões e antinomias, a partir da perspectiva de análise de Coriolano, Leitão e Vasconcelos (2009).

Tais tensões e antinomias, segundo os autores acima, encontram explicação no fato de que as imagens do turismo consolidadas ao longo do século XX produziram signos e símbolos impregnados de significados simultaneamente criativos e destrutivos.

Essas antinomias são frutos, em parte, da própria complexidade das atividades turísticas, pois, segundo Ricco (2012, p. 167), o turismo: “(…) é um fenômeno extremamente complexo, dinâmico, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo em sua totalidade por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.”.

Para assimilar essas tensões, pode-se analisar o que se afirma no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro-Bahia”, quando se coloca que o turismo ocorre em vias insustentáveis na região frente às condições socioeconômicas frágeis, que os atores sociais envolvidos com o turismo desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, de aprendizagem histórico-memorial e de convivência com a natureza converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e de rios com resíduos, à depredação de recifes pela presença não controlada de pessoas nas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos no que concerne às lacunas de políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.

Retomando-se o texto “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro”, tem-se que a lógica de exploração do turismo na cidade relaciona-se com o panorama do capitalismo especulador, onde prevalece uma concorrência com foco somente no apanágio.

Para mostrar os pontos negativos de um turismo que se alicerça nas vertentes capitalistas, pode-se recorrer a Boff (2014) quando ele menciona que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza, por isso, leva toda a humanidade a um impasse, pois cria uma dupla injustiça: a ecológica, por devastar a natureza, e outra social, por gerar imensa desigualdade social.

O capitalismo distante de uma preocupação social, visando somente à pecúnia lucrativa, contribui, diretamente, para o esgotamento dos recursos naturais na cidade. Esse esgotamento, em pouco tempo, como já mencionado, inviabilizará as atividades turísticas nas áreas do município, pois o turista que chega a Porto Seguro vem em busca justamente das belezas e atrativos ambientais que a região oferece e, na ausência desse capital natural, não haverá mais o turista, já que esse é o elemento principal de atração do visitante.

Como pontua Boff, o capitalismo consumista, além das injustiças sociais, também provoca a injustiça ecológica e isso se manifesta de várias formas. Nesse sentido, é possível concatenar o que afirma o autor supracitado com as injustiças ambientais na cidade. Os déficits ambientais causados pelo turismo, direta ou indiretamente, já são perceptíveis em várias partes do município. Como exemplo, pode-se citar a morte da Lagoa Azul e este é somente um entre tantos outros que corroboram como o turismo de Porto Seguro, infelizmente, ainda se arvora na vertente positivista de subjugação da natureza.

Por último, para explicar a necessidade de outra lógica econômica para o turismo  na cidade, todavia no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro”, observa-se que outra lógica econômica para a utilização dos espaços naturais no turismo da região é exequível, mas, para isso, será crucial detectar as consequências das ações antrópicas em ambientes diversos no município, levando-se em consideração que elas ocorrem em áreas marinhas, lacustres, biomas e nos ecossistemas em geral.

Mais uma vez, é tempestivo iterar que outro turismo é factível, mas, para tanto, as instâncias políticas, empresariais e sociais da cidade devem elaborar uma programação turística socioambiental baseada nas diretrizes da sustentabilidade para o uso dos espaços pelo prisma da ideologia do cuidado e da práxis do lazer atilado.

Referências bibliográficas

BOFF, Leonardo. A grande transformação: na economia, na política e na ecologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

CORIOLANO, Luzia Neide M. T., LEITÃO, Cláudia S. e VASCONCELOS, Fábio P. Turismo, cultura e desenvolvimento na escala humana. In: CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria; ARNDT, Jorge Renato Lacerda. Turismo, sustentabilidade e meio ambiente. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

RICCO, Adriana Sartório. O turismo como fenômeno social e antropológico. In: PORTUGUEZ, Anderson Pereira; SEABRA, Giovanni; QUEIROZ, Odaléia Telles M. M. (orgs). Turismo, espaço e estratégias de desenvolvimento local. João Pessoa, PB: Editora Universitária da UFPB, 2012.

SANTANA, Elissandro dos Santos. Ações insustentáveis no Turismo de Porto Seguro Bahia. Rio de Janeiro: Revista Ecodebate, 2016.

______________________________. Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Bahia. Rio de Janeiro: Revista Ecodebate, 2016.

______________________________. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando, ISSN 2317-0735, 2016.

1 Professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, Colunista Socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato e Revisor da Revista Latinoamérica. E-mail: lissandrosantana@hotmail.com

2 Articulador da área de linguagens e professor de língua inglesa do Complexo Integrado de Educação de Porto Seguro – CIEPS. E-mail: denyscamara@gmail.com

3 Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades – UFSB, Campus Sosígenes Costa, Porto Seguro, Bahia. E-mail: radha.ufsb@gmail.com

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/11/2017

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