Brasil

Incêndios e desmatamento na Amazônia expõem mais de 4 milhões de pessoas a níveis elevados de poluição atmosférica

Pesquisa estima que cerca de 2,2 mil internações hospitalares por doenças respiratórias em 2019 são atribuídas às queimadas; expectativa é que índice piore em 2020
Queimada na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Porto Velho (RO) Foto: Christian Braga/Greenpeace
Queimada na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Porto Velho (RO) Foto: Christian Braga/Greenpeace

RIO — Além do dano ambiental, a devastação da floresta amazônica está comprometendo a saúde de milhões de brasileiros que vivem na região. A crescente exposição à fumaça e cinzas produzidas pelas queimadas pode causar problemas como irritação nos olhos, inflamação pulmonar, bronquite, asma e insuficiência cardíaca. Bebês e idosos são maioria entre os internados em hospitais. Indígenas, cuja subsistência depende da caça e de plantações devastadas, também estão entre os mais ameaçados pelos incêndios que se proliferam na mata desde o ano passado.

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O panorama acima foi descrito no relatório “O ar é insuportável: os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde”, assinado por um grupo de trabalho do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e do Human Rights Watch.

Em agosto de 2019, segundo as organizações, mais de 3 milhões de pessoas em 90 municípios amazônicos foram expostas a níveis de poluição atmosférica acima do limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em setembro, este número aumentou para 4,5 milhões de habitantes em 168 cidades.

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Trata-se de uma “crise crônica e evitável de saúde pública”, segundo os pesquisadores, que poderia ser evitada caso o poder público criasse um sistema eficiente para monitoramento da qualidade do ar, além de fortalecer as agências ambientais dedicadas à proteção da floresta.

Os casos mais graves chegam às unidades de saúde. O levantamento estimou que 2.195 internações hospitalares por doenças respiratórias em 2019 são atribuíveis aos focos de fogo. Quase 500 envolvem crianças de menos de um ano de idade, e mais de mil são relacionadas a idosos de 60 anos ou mais. As internações atribuíveis às queimadas duraram, em média, três dias.

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Luciana Téllez-Chávez, pesquisadora do HRW, destaca que as queimadas não ocorrem de forma natural na floresta. São resultado da derrubada de árvores, em geral para agricultura, pastagem ou especulação de terras.

— O Brasil tem políticas públicas contra o desmatamento e instituições eficientes para coibir esta prática, como o Ibama e o ICMBio, mas elas estão sendo sabotadas pelo governo de Jair Bolsonaro, que deu sinal verde para os criminosos — alerta.

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Além disso, em abril a Amazônia já contava com 4.509 km² de terras que poderiam ser queimadas, o equivalente a 451 mil campos de futebol — são locais recém-desmatados ou que foram desflorestados, mas não incendiados, no ano passado. E as previsões meteorológicas indicam seca, o que aumenta a possibilidade de expansão do fogo.

— Outro problema é o acesso à saúde para moradores de comunidades rurais e pequenos municípios, que precisam viajar longas distâncias para chegar a instalações médicas, já que a infraestrutura da região amazônica é altamente concentrada em grandes cidades — explica Téllez-Chávez. — Este percurso varia, em média, entre 370 e 471 km nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Roraima. Moradores das aldeias indígenas mais isoladas estão até mil quilômetros de distância de um leito de UTI. A média nacional é de 155 km.

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A pesquisadora lembra que as unidades de saúde já estão sobrecarregadas com o atendimento a pacientes de Covid-19. E também há estudos que indicam que a exposição à fumaça pode agravar os sintomas do vírus, resultando em mais casos graves e mortes.

O relatório destaca que, segundo uma estimativa conservadora do Deter, o sistema brasileiro de alerta por satélite, o desmatamento da Amazônia aumentou 85% durante o primeiro ano de mandato de Bolsonaro. O grupo de trabalho lembra que o governo federal decretou uma proibição de queimadas durante a estação seca este ano, mas considera que a medida não será eficaz se não for acompanhada por um acirramento da fiscalização.

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Outro obstáculo é a dificuldade do próprio presidente em reconhecer o problema — em uma reunião com chefes de Estado de países amazônicos, realizada este mês por videoconferência, Bolsonaro afirmou que “é uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo”.

— As pessoas estão ficando doentes, a floresta está perdendo seu papel de estoque de carbono, e isso vai piorar o aquecimento global — atenta Téllez-Chávez. — O Brasil deve ser pressionado por outros países a cumprir suas obrigações na área ambiental. No Acordo de Paris, por exemplo, o país comprometeu-se a zerar seu desmatamento até 2030. O cenário atual é catastrófico, e pode impedir a assinatura de acordos comerciais, como o da União Europeia com o Mercosul.