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Brasil Coronavírus

Curva de mortes por Covid ‘estaciona’ em patamar alto demais no país e preocupa cientistas

Vírus se espalha de diferentes formas em cada região do Brasil; a média de óbitos cresce vertiginosamente no Sul, atinge uma vacilante estagnação no Sudeste, e cai em poucos estados
Funcionários carregam caixões em depósito de funerária no Rio Foto: Pilar Olivares / Reuters
Funcionários carregam caixões em depósito de funerária no Rio Foto: Pilar Olivares / Reuters

RIO — Um país de diversas faces e uma só doença. O Brasil que, até ontem, contabilizava 68.055 mortes por coronavírus , vê a Covid-19 disseminar-se de diferentes formas em cada região. A média de óbitos cresce vertiginosamente no Sul, atinge uma vacilante estagnação no Sudeste e cai em poucos estados, como Amazonas, Pará e Rio de Janeiro. O diagrama nacional dos casos fatais segue reto há mais de um mês. O problema é que estacionou em um nível alto demais, um comportamento que não foi visto na maioria das outras nações. A análise dos dados foi feita a partir do levantamento do consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, que reúne informações das secretarias estaduais de Saúde.

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Mesmo os estados que conseguiram reduzir a média de óbitos devem seguir cautelosos. No Ceará, por exemplo, a queda do índice de mortes foi interrompida conforme a Covid-19 avançou para o interior do estado. Já o Rio de Janeiro pode ser motivo de novas preocupações nas próximas duas ou três semanas, diante do agravamento do quadro de saúde de pessoas que estariam sendo infectadas atualmente, quando a capital fluminense passa por um período de relaxamento social .

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— A passagem do pico da doença gera um impacto psicológico de que o pior já passou, mas o coronavírus ainda está lá, principalmente entre os mais pobres e no interior — atenta Christovam Barcellos, sanitarista da Fiocruz. — Em todo o mundo, a curva de óbitos é assimétrica, desce do pico com uma velocidade muito menor do que chegou a ele.

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Barcellos ressalta que a chegada da Covid-19 no país levou prefeitos e governadores de todas as regiões a adotar medidas semelhantes de isolamento social. A doença, no entanto, conseguiu penetrar fortemente, ainda em março, em estados como Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.

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Nos meses seguintes, enquanto estes estados ainda se recuperavam do baque, outros passaram a relaxar o cinto — caso, entre outros, de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. Agora, o número de óbitos destes estados catapultou. Barcellos avalia que nesses locais predominou uma sensação de que a pandemia estava sob controle, uma vez que as principais cidades do país já passavam por uma redução do índice de casos e mortes.

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— Os estados iniciaram políticas de isolamento no mesmo momento e tentaram relaxá-las simultaneamente, ignorando que o pico da pandemia não é sincronizado — ressalta. — A média diária de mortes em todo o país é estável porque, enquanto a situação melhora em alguns estados, piora em outros. Registramos mais de mil casos fatais por dia. Isso é gravíssimo.

Ontem, o país registrou 1.187 novas mortes, totalizando 68.055 desde o início da pandemia. Também foram notificados 41.541 novos casos. Com isso, o Brasil chegou a 1.716.196 de infecções, segundo boletim do consórcio de veículos de imprensa.

Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Paulo Petry atribui a desorientação dos estados à falta de diretrizes nacionais. Durante a pandemia, o ministro da Saúde Luiz Mandetta foi exonerado e seu substituto, Nelson Teich, pediu demissão. A pasta é ocupada interinamente há mais de 50 dias pelo general Eduardo Pazuello.

— Perdemos dois ministros e não colocamos ninguém. O Executivo federal deveria correr atrás de insumos, medicamentos, criar novos leitos de UTI e ampliar a testagem.

Vacinas e testes

Segundo Petry, 38% da população brasileira têm pelo menos uma das comorbidades que podem levar os pacientes à morte por Covid-19, como diabetes e hipertensão. Parte desse contingente está entre os idosos. O país conta com mais de 30 milhões de pessoas acima de 60 anos. Pessoas abaixo desta faixa etária também podem fazer parte do grupo de risco.

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— Nossa esperança são as vacinas que serão testadas no Brasil e a transferência de tecnologia de suas fabricantes — diz o epidemiologista — O Instituto Butantan, em São Paulo, tem um acordo firmado com a empresa chinesa Sinovac , e a Fiocruz, no Rio, trabalha com uma imunização idealizada pela Universidade de Oxford .

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Edison Bueno, pesquisador e professor de saúde coletiva da Unicamp, considera que a média diária de óbitos por Covid-19 no Brasil poderá seguir até três semanas na forma de platô, “a não ser que apareça uma segunda onda de infecções”.

— Ainda há um percentual muito grande da população suscetível ao coronavírus. O ideal seria aplicar testes moleculares em pelo menos cinco contatos próximos de cada infectado, levando-os a um isolamento social rigoroso. Mas não temos garantia se esta medida evitaria ou somente atrasaria uma segunda onda da Covid-19 — explica.