RIO - O Ministério Público do Rio retomou as investigações que apuravam irregularidades no processo de licitação de linhas de ônibus realizado em 2010, firmado entre a então administração de Eduardo Paes e quatro concessionárias que operam no município. Para isso, faz chegar nesta quinta-feira às mãos do prefeito Marcelo Crivella um pedido de providências a serem tomadas a respeito da conclusão de um relatório que indica que houve direcionamento durante a concorrência.
Com base no inquérito civil, aberto na 3ª Promotoria da Tutela Coletiva da capital, o MP-RJ voltou ao caso após ter recebido novos documentos que reforçam as irregularidades no edital da concorrência nº 010/2010, entre eles um relatório alternativo da CPI dos Ônibus e de uma perícia feita no âmbito da mesma comissão.
O documento do MP-RJ destaca o depoimento do auditor Ronaldo Matos Valiño, coordenador no Rio na PricewaterhouseCoopers, prestado à CPI dos Ônibus em novembro de 2017, no qual ele diz que “a concessão manteve a mesma estrutura das linhas”, não havendo por parte da Prefeitura o redesenho das linhas.
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Para sustentar a tese de que houve direcionamento, o MP-RJ destacou que a obrigação de celebração de acordo operacional entre todas as licitantes vencedoras para disciplinar o Sistema Eletrônico de Bilhetagem e a obrigação dos concessionários de operar o sistema BRT. Para os promotores, tais exigências deveriam merecer um outro edital.
A comunicação do MP também critica o fato de não ter havido qualquer mudança ou redesenho das linhas, mostrando que o objetivo era o de apenas dar um ar de legalidade ao que já existia há anos.
A licitação foi vencida pelos consórcios Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz. Ao todo, 47 empresas operavam as mais de 900 linhas de ônibus da cidade, que funcionavam sob um regime de permissão durante a gestão de Eduardo Paes. Os itinerários e as linhas eram estabelecidos pelas próprias empresas.
De acordo com o MP-RJ, a licitação foi modelada “com violação à livre concorrência e à impessoalidade, tendo criado as condições que viabilizaram a oferta de valor de outorga zero nas propostas, com claros impactos aos cofres públicos municipais, que deixaram de arrecadar valor de outorga cuja expressividade potencial é óbvia”.
Entre os exemplos de cerceamento à livre concorrência e violação à impessoalidade, destacados pelo MP-RJ, está o prazo de apenas 45 dias entre o edital e apresentação das propostas, considerado curto demais pelos promotores para o cumprimento da quantidade de exigências.
Além de Crivella, a secretária municipal de Transportes, Virgínia Maria Salerno, e o procurador-geral do município, Marcelo Silva Moreira Marques, foram notificados. Os três terão prazo de 30 dias para a resposta.
Outros lados
O ex-prefeito Eduardo Paes não quis comentar o assunto e pediu que a reportagem procurasse pelo seu ex-secretário municipal de transportes Alexandre Sansão.
Procurado, Alexandre Sansão afirmou ao GLOBO que o edital de licitação atendeu "a todos os preceitos da lei n° 8.666/93" para uma concorrência na modalidade técnica e preço, incluindo o prazo para apresentação das propostas. E que o edital "ofereceu exaustiva descrição das características da rede tais como os itinerários, frotas, informações sobre garagens, índices de passageiros transportados, velocidades operacionais etc, além de todas as regras necessárias à análise dos interessadas, a fim de que se ajustassem às condições da licitação e do contrato de concessão".
Procurada, a Procuradoria Geral do Município afirmou que a licitação questionada pelo Ministério Público foi feita na gestão do prefeito Eduardo Paes e todos os documentos referentes a ela serão encaminhados ao MP.
A Rio Ônibus não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Se Crivella e os demais citados não apresentarem ações para atender ao pedido do MP-RJ, a Promotoria de Justiça não descarta pedir a anulação da licitação e a realização de um novo processo, além da responsabilização dos envolvidos por prática de improbidade administrativa, violação à Lei Anticorrupção e reparação aos cofres públicos.
CPI do Ônibus
O relatório alternativo da CPI dos Ônibus, de acordo com o vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), concluiu que a licitação e o contrato subsequente foram feitos “sob medida para manter a máfia no controle do sistema de ônibus e impedir qualquer fiscalização”. Para o vereador, o contrato precisa ser rompido e é imprescindível fazer a concessão em novos termos capazes de garantir a transparência e a defesa do interesse público.
De acordo com Tarcísio, foram verificadas constantes fraudes nos cálculos apresentados pelas empresas, houve superfaturamento das despesas e subfaturamento das receitas e nunca houve interesse na racionalização do sistema.