Rio

Escritório da primeira-dama recebeu R$ 554 mil suspeitos e repassou R$ 74 mil para conta de Witzel

Procuradores afirmam que empresa da primeira-dama foi usada para "escamotear pagamento de propina"
A primeira-dama, Helena Witzel, com o governador do Rio, Wilson Witzel Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
A primeira-dama, Helena Witzel, com o governador do Rio, Wilson Witzel Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO - O Ministério Público Federal (MPF) afirma que o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel recebeu R$ 554,2 mil entre 13 de agosto de 2019 e 19 de maio deste ano de quatro entidades de saúde "ligadas a membros da organização criminosa". Para os investigadores, a empresa da primeira-dama foi contratada para "operacionalizar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais".

Além disso, os valores recebidos pelo escritório foram apontados pelos investigadores como o recebido pelo casal em 25 ocasiões diferentes. Parte desse valor, um total de R$ 74 mil, segundo as dados obtidos durante as investigações, foi parar diretamente nas contas do governador. Witzel e a primeira-dama foram denunciados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

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Witzel e Helena foram denunciados e alvos da ação desta sexta-feira . O governador foi afastado do cargo. Na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), obtida pelo GLOBO, o ministro Benedito Gonçalves cita argumentos dos procuradores.

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O MPF diz que o escritório de Helena foi reativado sem qualquer outro advogado além da própria primeira-dama e sem qualquer outro funcionário. Aponta ainda que a empresa foi reativada "sem a realização de qualquer serviço, salvo, até o momento, a simples juntada de procuração e substabelecimento nos autos de um agravo de instrumento em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para o qual sua atuação como advogada seria inócua".

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Segundo o MPF, os pagamentos foram feitos por Hospital Jardim Amália LTDA (R$ 280 mil), DPAD serviços diagnósticos LTDA (R$ 112,6 mil), Cootrab Cooperativa Central de Trabalho (R$ 59,4 mil) e Quali Clínicas Gestão e Serviços de Saúde (R$ 102,2 mil).

Um dos depósitos feitos na conta do escritório de Helena Witzel Foto: Reprodução
Um dos depósitos feitos na conta do escritório de Helena Witzel Foto: Reprodução


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O Hospital Jardim Amália é de propriedade da família de Gothardo Lopes Netto, também alvo da operação desta sexta-feira. Já a DAPD e a Cootrab são, segundo o MPF, de propriedade do empresário Mário Peixoto, por meio de pessoas interpostas. Já a Quali Clínicas é de João Marcos Borges, ex-subsecretário Executivo de Educação do Rio de Janeiro.

De acordo com os investigadores, documentos da empresa foram encontrados na casa do ex-secretário Lucas Tristão e de Alessandro Duarte, tido como operador de Peixoto. Todos foram alvos da operação de hoje.

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O contrato do escritório da primeira-dama com a DPAD já havia sido identificado na Operação Placebo. De acordo com os investigadores, não foram identificados serviços prestados.

O MPF aponta dois atos de Witzel na acusação, um é essa resolução que beneficia o Hinja. O outro está relacionado a parte da colaboração premiada de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde. Segundo Santos, foi "praticado no direcionamento do processo de seleção do Hospital Zilda Arns para a Organização Social que possui Gothardo Lopes Netto como sócio oculto". Segundo o MPF, a "organização criminosa direcionou, mediante promessa e/ou pagamento de propina, contratos de gestão de dois hospitais para Organizações Sociais da Saúde (OSS): o Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda/RJ, e o Hospital Dona Lindu, em Paraíba do Sul/RJ".

Witzel recebeu valores do esquema na conta

Por meio da quebra de sigilo bancário, os procuradores verificaram que Witzel recebeu "R$ 74 mil diretamente do escritório de Helena Alves Brandão Witzel". A Unidade de Inteligência Financeira (UIF) considerou suspeito o fato de os repasses do escritório para Witzel serem próximos a datas em que Helena recebeu valores das empresas.

A denúncia cita que no dia 8 de outubro do ano passado, o escritório recebeu R$ 15 mil da empresa Quali. Dois dias depois, em 10 de outubro, a conta do escritório fez um repasse no mesmo valor para a conta pessoal de Witzel. Ela figura como dependente dessa conta.

Já em 13 de agosto do ano passado, o escritório de Helena obteve pagamento de R$ 10 mil da da COOTRAB e foi feita uma transferência para a conta pessoal do governador no mesmo valor. Os dois são casados em regime de comunhão universal de bens. Por todos esses fatos, o MPF escreveu na denúncia que ficaram demonstrados ainda os elementos com relação a cada uma das empresas, que apontam a forma pela qual o escritório da primeira-dama "foi utilizado para receber dinheiro oriundo de corrupção e lavar ativos provenientes da organização criminosa".

Uma das principais descobertas dos investigadores após a quebra do sigilo telemático foram dois e-mails do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) para a primeira-dama, Helena Witzel, que mostram Witzel intermediando contratos dela com o Hospital Jardim Amália Ltda (Hinja), que pertence à família de Gothardo Lopes Netto. Gothardo, médico, ex-prefeito de Volta Redonda e ex-deputado estadual, foi preso na operação desta sexta-feira e é apontado como braço-direito do governador.

Dinheiro vivo

No pedido, o MPF diz que a família Witzel usava dinheiro vivo para pagar contas pessoais. Os investigadores salientam que essa tipologia de lavagem que já foi constatada em outros casos no Rio, como o do ex-governador Sérgio Cabral. Na peça, aparece uma listagem com 29 pagamentos feitos com recursos em espécie. Alguns têm valor mais baixo, como um de R$ 143,26, mas há outros que chegam a R$ 4.279. As indicações sobre os pagamentos, de fevereiro a outubro do ano passado, foram encontradas durante a execução dos mandados de busca e apreensão na Operação Placebo, em maio deste ano.

Na denúncia apresentada pelo MPF, está descrito que a "apreensão dos recibos de pagamentos em espécie vai ao encontro do relatado por Edmar Santos". O ex-secretário de Saúde afirmou que (Pastor) "Everaldo demonstrou preocupação com eventuais operações de busca e operação, citando ter sido chamado na véspera no Palácio Laranjeiras, onde o governador Witzel lhe entregou R$ 15.000,00"; Que Everaldo mostrou ao colaborador o dinheiro entregue pelo governador no dia anterior; Que, segundo Everaldo, Witzel entregou esse dinheiro porque também estaria preocupado com uma busca e apreensão no Palácio".

Grupo continua desviando recursos em plena pandemia, diz PGR

A PGR justificou que no pedido que as prisões, incluindo a de Witzel, eram necessárias para interromper a atuação da organização que, segundo o MPF, continua agindo.

"O caso, repita-se, envolve uma enorme organização criminosa, instalada no seio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, liderada pelo atual Governador, e que se encontra em plena atividade, configurada por práticas delitivas em curso. A situação delitiva está presente desde o início da gestão do Governador WILSON JOSÉ WITZEL, que possui papel central e ativo na organização, tendo, inclusive, realizado diretamente atos de operacionalização da corrupção".

A procuradoria aponta que "o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia da Covid-19". Por isso, a prisão preventiva seria o "único remédio suficiente para fazer cessar a sangria dos cofres públicos".

Os investigadores dizem ainda que Witzel possui papel central e ativo na organização, "tendo, inclusive, realizado diretamente atos de operacionalização da corrupção".

A defesa de Helena Witzel diz em nota que não há nos autos de investigação elementos que levem a crer que a primeira-dama tenha, de qualquer forma, concorrido para os atos ilícitos cogitados pelo Ministério Público Federal. O texto diz ainda que o contrato de serviços advocatícios, apontado como suspeito no requerimento, nada tem de irregular, visto que a Helena Witzel efetivamente prestou os serviços para os quais foi contratada, como contrapartida dos honorários por ela recebidos.