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Economia

Questão ambiental se tornou questão de Estado, não de governo, diz presidente do Itaú

Para Cândido Bracher, há apetite internacional para financiamento de projetos sustentáveis, mas a reputação do Brasil na área é ruim
Bracher defende prisão para desmatadores Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Bracher defende prisão para desmatadores Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

SÃO PAULO - O presidente do Itaú Unibanco, Cândido Bracher, participa de duas iniciativas recentes do setor privado em defesa da Amazônia. Em entrevista ao GLOBO, ele diz que os resultados do governo na área ambiental “não têm sido bons” e devem servir de alerta para que medidas sejam tomadas para tornar o desmatamento zero algo viável.

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Bracher é um dos membros da Concertação pela Amazônia, movimento criado pelo empresário Guilherme Leal e que reúne outros empresários, executivos e especialistas para debater estratégias em prol da Amazônia. Para além disso, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander anunciaram ontem a criação do Conselho Consultivo Amazônia.

O senhor participa da iniciativa da Concertação pela Amazônia, capitaneada por Guilherme Leal. Qual o papel da iniciativa privada no debate sobre preservação ambiental?

Vejo essa concertação como uma iniciativa extremamente positiva. É um desses movimentos que nascem no seio da sociedade civil. Comecei a participar com minha mulher, Teresa, a convite do Guilherme, em um almoço na casa dele, com um grupo de nove pessoas. O movimento tem crescido, cada um tem contribuído como pode. Paralelamente, junto com o Bradesco e o Santander, lançamos uma iniciativa em defesa da Amazônia, para ver de que maneira os bancos podem atuar dentro das suas atividades para fortalecer a defesa da região. Houve um despertar da sociedade para a necessidade imperativa de se proteger a Amazônia. Isso foi catalisado de uma certa maneira pela pandemia, pelo aumento dos índices de desmatamento num passado recente e pela reação internacional a isso.

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O tema está na ordem do dia, mas há na opinião pública a impressão que o governo não tem grande preocupação com o desmatamento. Como o senhor vê isso?

Acho que não cabe falar das intenções do governo, mas sim dos resultados, que não têm sido bons na questão da proteção ambiental. Isso é uma constatação que deve servir de alerta para a sociedade civil e para o governo quanto à necessidade de se redobrar os esforços para buscar uma concertação que facilite e propicie a preservação da floresta. Dentro desse trabalho, há tarefas que são privativas do governo, como o uso da coerção. Isso é fundamental, uma condição necessária, mas não suficiente. Há uma outra série de fatores em que setores da sociedade que não o governo podem contribuir e colaborar. É disso que trata a iniciativa do Leal e a dos bancos.

Como o plano dos bancos vai funcionar na prática? A ideia é passar à ação concreta, ou elaborar ideias e propostas?

Formamos um conselho consultivo, acabamos de formar. O objetivo é saber como nós, bancos, vamos orientar a nossa atuação em financiamentos. A quem dar (financiamento) ou não, quando, como apoiar a regularização fundiária. Elencamos dez medidas e vamos consultar o conselho para saber qual é a maneira mais efetiva de fazer isso.

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Na Concertação, a ideia parece ser não apenas debater. Como tem sido?

O grupo tem pessoas diferentes, gente que não é da área, como eu, e especialistas ambientais. É do encontro dessas ideias que poderão sair medidas concretas. A ideia é você fazer as coisas de maneira articulada de modo que uma atitude reforce a outra. E impedir que haja uma série de iniciativas desconexas entre si.

O senhor compara o debate ambiental com a discussão no passado sobre o combate à inflação. Por quê?

Existem determinadas questões que são tão importantes para a sociedade que se tornam questões de Estado, e não de governo. A inflação era assim. Governo após governo, prometia-se que a inflação seria reduzida, até que houve o Plano Real. Criou-se o arcabouço que por si tem garantido que a inflação se mantenha bem comportada, e isso é uma conquista da sociedade.

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Como o senhor vê o caso da Amazônia?

No caso da Amazônia, podemos criar um conjunto transparente de regras com estímulos que recompensem quem mantém a floresta em pé. Quem desmata, que vá para a cadeia, que não se compre carne com origem em áreas desmatadas ilegalmente, que haja apoio para as culturas sustentáveis na região, como cacau e açaí. É preciso que a regularização fundiária seja feita de modo que os pequenos que já estão na região tenham alguma segurança e não haja estímulo para desmatamento. Se houver um arcabouço de regras assim, o desmatamento acaba por si, porque você tem a transparência e o controle, como a inflação acabou. Eu me lembro que a inflação era assim, era um flagelo.

É a ideia de que a floresta precisa valer mais em pé do que derrubada?

Exato. Além de remunerar pelo sequestro de carbono, é preciso remunerar aquele que mantém a floresta de pé, quem presta os serviços florestais. Eu tenho certeza que há apetite no mundo para isso, desde que haja confiança nas regras estabelecidas no país, que se veja que o desmatamento está acabando. Para manter o desmatamento em zero, acho que vai haver um grande apoio internacional. Para reduzir e acabar com o desmatamento ilegal, nós precisamos começar dando o exemplo.

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No Fórum Econômico Mundial deste ano, as questões ambientais e a reputação do Brasil nessa área estiveram em evidência. Qual é a impressão que o senhor teve?

A impressão é que a situação está se agravando e de que a nossa imagem vai sofrendo mais. As consequências do ponto de vista de redução do fluxo de investimentos no Brasil vão se tornar mais graves inexoravelmente.