Economia

EUA dizem que não apoiarão proposta para manter funcionamento da OMC

Decisão chega em um momento em que as relações multilaterais são atacadas por correntes protecionistas
Sede da OMC em Genebra: paralisia à vista. Foto: Denis Balibouse / REUTERS
Sede da OMC em Genebra: paralisia à vista. Foto: Denis Balibouse / REUTERS

GENEBRA - O destino da alta corte da Organização Mundial do Comércio foi efetivamente selado nesta segunda-feira, depois que os Estados Unidos disseram que não apoiariam uma proposta para permitir sua continuação, disseram autoridades comerciais, embora o chefe da OMC tenha prometido encontrar uma solução.

Como antecipou O GLOBO, o Órgão de Apelação da OMC, última instância de disputas comerciais entre países e mecanismo fundamental para a resolução de conflitos, ficará paralisado a partir da próxima quarta-feira. Será a primeira vez em 22 anos de existência do tribunal. Esse braço da OMC perderá dois de seus árbitros e, por conta disso, será a impedido de funcionar com apenas um juiz. O mínimo exigido pela legislação são três juízes. Não há perspectiva de indicação dos substitutos no curto prazo.

A paralisia no órgão foi causada por um boicote implacável dos Estados Unidos à nomeação de novos árbitros, e essa situação afeta diretamente o Brasil, um dos países mais ativos na OMC. Segundo fontes com conhecimento do assunto, o bloqueio americano, além de forçar uma reforma no sistema de solução de controvérsias, também atinge a aprovação do orçamento da OMC para 2020.

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O Órgão de Apelação precisa de um mínimo de três juízes para funcionar, mas os termos de dois dos três membros restantes do painel de apelações expiram na terça-feira e não há substituições à vista por causa da estratégia de bloqueio usada pelos EUA.

Uma nova tentativa foi feita nesta segunda-feira para atingir um consenso para preencher as vagas, assim como obrigar o painel de apelações a emitir decisões dentro de 90 dias.

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Mas o embaixador dos EUA para a OMC, Dennis Shea, disse que outros membros não abordaram as preocupações de Washington sobre o que ele chamou de "alcance excessivo" e "desconsideração" das regras da OMC.

Em discurso,  cujo texto foi divulgado pela missão americana, Shea disse que os Estados Unidos não apoiaram a proposta de começar a preencher as posições do Órgão de Apelação.

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Grande parte do descontentamento dos EUA decorre de como a OMC atou suas mãos ao lidar com a China. Em decisões vinculativas, os juízes da OMC deram a Pequim o benefício da dúvida sobre subsídios e rejeitaram o tratamento de dumping por Washington.

Segundo o diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo,  "um sistema de solução de controvérsias imparcial e vinculativo é um pilar central do sistema da OMC", acrescentando: "Não podemos abandonar o que deve ser nossa prioridade, ou seja, encontrar uma solução permanente para o Órgão de Apelação. "

O embaixador comercial da China, Zhang Xiangchen,  disse: "Este é sem dúvida o golpe mais grave no sistema comercial multilateral desde a sua criação".

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João Aguiar Machado, embaixador da União Europeia, colocou a culpa em Washington.

- Daqui a dois dias, teremos uma situação sem precedentes na Organização Mundial do Comércio, que não será mais capaz de entregar uma resolução vinculativa de disputas comerciais e não garantirá mais o direito de recorrer da revisão - afirmou Machado. - As ações de um membro privarão outros membros de seu direito a um sistema de solução de controvérsias vinculativo e em duas etapas, mesmo que esse direito esteja especificamente previsto no contrato da OMC.

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Segundo ele, a UE continuará apoiando os esforços para desbloquear as nomeações do Órgão de Apelação enquanto prepara suas próprias medidas de contingência.

A UE já chegou a acordos com o Canadá e a Noruega para submeter quaisquer apelos a julgamento ad hoc de ex-membros do Órgão de Apelação.

David Walker, embaixador da Nova Zelândia que preside o comitê de solução de controvérsias da OMC, propôs aos membros da organização, na semana passada, que o Órgão de Apelação deveria pelo menos ter permissão para concluir quatro casos que já tiveram audiências.

Dez recursos pendentes seriam deixados no limbo, juntamente com outros 100 que voltariam ao sistema.