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Economia

Entenda por que a União precisa ajudar estados e municípios na crise e quais as propostas sobre a mesa

Socorro é alvo de disputas políticas e ainda não saiu do papel. Presidente do Senado deve apresentar nova versão do projeto hoje
Pacote de socorro a estados e municípios é alvo de disputas políticas Foto: Arquivo
Pacote de socorro a estados e municípios é alvo de disputas políticas Foto: Arquivo

BRASÍLIA - Além de mitigar os impactos da crise do coronavírus sobre trabalhadores e empresas, a equipe econômica do governo federal tem uma missão difícil nesta pandemia : evitar que estados e municípios quebrem.

Já com as contas combalidas, os entes federados são considerados vulneráveis, porque têm mais dificuldade para conseguir recursos adicionais. O formato do pacote de socorro, no entanto, ainda é alvo de negociação. A versão mais recente é de um auxílio de R$ 130 bilhões, em análise no Senado .

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Enquanto o governo negocia com o Senado a elaboração de um projeto alternativo de socorro a estados e municípios , secretários de Fazenda ouvidos pelo GLOBO afirmam que o plano da equipe econômica é insuficiente para fazer frente às perdas de receita dos próximos meses por causa da crise do coronavírus.

Entenda a seguir por que a União precisa socorrer governos locais e quais as formas de fazer isso.

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Por que o socorro é necessário?

Ao contrário da União, estados não podem recorrer ao mercado financeiro para conseguir recursos extras. O governo federal, mesmo estando no vermelho, pode emitir dívida — ou seja, pegar dinheiro emprestado de investidores — para financiar programas emergenciais.

No caso dos estados e municípios, isso é proibido pela legislação desde 1997, quando estados e a União firmaram um amplo acordo de renegociação de dívidas.

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Assim, governadores e prefeitos contam basicamente com os recursos da arrecadação de impostos para fechar as contas. Só em São Paulo — maior economia do país —, essa perda deve chegar a R$ 9,7 bilhões em três meses, segundo estimativa oficial do governo estadual.

Em alguns casos, podem pedir empréstimos a bancos públicos e privados, com garantia da União, mas, com a crise fiscal, a maioria dos entes não tem boa nota de crédito na praça para fechar as operações.

Manter os recursos fluindo para os governos regionais é importante porque cabe a estados e municípios garantir serviços básicos à população, como saúde, educação e segurança pública.

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Como esse auxílio pode ser ofertado?

Desde que a pandemia de Covid-19 foi decretada, representantes de governos estaduais e prefeituras procuraram o governo federal para pedir ajuda.

Inicialmente, o pacote inclui repasses mensais de R$ 15 bilhões e outros benefícios, como garantia da suspensão da dívida com a União e bancos públicos.

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O modelo desse pacote de socorro sofreu uma série de modificações ao longo de mais de um mês, até que um projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados. O modelo, no entanto, não agradou a equipe econômica.

Como é a proposta da Câmara?

O texto aprovado na Câmara prevê que a União compense por seis meses a queda na arrecadação de ICMS (nos estados) e ISS (nos municípios) esperada por causa da retração da atividade econômica.

Além disso, garante a suspensão das dívidas com bancos públicos, como Caixa e BNDES. Assim, o pacote teria um impacto fiscal sobre a União dividido dessa forma:

  • R$ 80 bilhões - repasses para compensar perdas de ICMS e ISS, caso as perdas de arrecadação seja, em média de 30%
  • R$ 9,6 bilhões - suspensão das dívidas com bancos públicos, que seriam bancadas pelo Tesouro
  • O total seria de R$ 89,6 bilhões.

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Por que o governo federal é contra?

Na avaliação do governo federal, o formato de auxílio defendido pelos deputados se transformaria em um “cheque em branco” para governos federais. Como a União cobriria qualquer perda de arrecadação, o temor é que governadores e prefeitos sejam menos cuidadosos com as finanças públicas.

O governo federal aponta ainda que esse sistema de compensação cria uma incerteza sobre quanto será essa conta. Se a perda de arrecadação for de 50%, e não de 30%, por exemplo, a União teria que repassar aos estados e municípios não R$ 80 bilhões, mas R$ 140 bilhões.

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Outro ponto criticado é o risco de que o valor repassado seja contestado no futuro, por causa da dificuldade de apurar as perdas de arrecadação em cada ente. Em uma das notas técnicas sobre o assunto, o Tesouro Nacional chegou a citar um ditado do meio jurídico para explicar o temor: “quem paga mal paga duas vezes”.

A União critica ainda as travas criadas pelo projeto. O texto da Câmara proibiu a concessão de benefícios fiscais, mas abriu uma brecha para incentivos que visem a manutenção do emprego. Na avaliação do Tesouro, há um risco de que, com essa redação, benefícios sejam concedidos.

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Que alternativa o governo ofereceu?

Com a dificuldade de negociação na Câmara, o governo recorreu ao Senado para elaborar um novo texto. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o repasse será maior que a estimativa da Câmara, porém em um valor fixo, de R$ 130 bilhões. O valor deve ser suficiente para auxiliar governos locais por quatro meses.

Em troca, o governo quer aprovar o congelamento de salários de servidores por 18 meses. A medida abriria espaço no Orçamento para bancar o socorro aos entes federados. Segundo Guedes, médicos, enfermeiros e policiais militares não serão afetados pela suspensão de reajustes .

Com isso, o texto da Câmara seria deixado de lado, e um novo texto seria construído com os senadores, mais alinhados com o governo. Ao reiniciar o processo de votação, o Senado teria a palavra final, o que facilitaria a manutenção do texto no formato mais próximo do defendido pela União.

Como era a proposta antes da negociação com o Senado?

Depois da aprovação da proposta da Câmara e antes de costurar o texto com o Senado, o governo federal chegou a apresentar um pacote de R$ 77,4 bilhões.

O pacote do governo seria dividido assim:

  • R$ 40 bilhões em repasses diretos a estados e municípios
  • R$ 22,6 bilhões em suspensão de dívidas com a União
  • R$ 14,8 bilhões em suspensão de dívidas com bancos públicos

Os R$ 40 bilhões em repasses, ponto principal da negociação, seria dividido da seguinte forma:

  • R$ 14 bilhões aos fundos da Saúde
  • R$ 2 bilhões para a Assistência Social
  • R$ 22,5 bilhões livres (sendo R$ 11,25 bi para estados e R$ 11,25 bi para municípios)

Essas medidas seriam adicionadas a outras já anunciadas pelo governo federal, que somam R$ 49,9 bilhões, o que elevaria o pacote total para R$ 127,3 bilhões.

As medidas já anunciadas são as seguintes

  • R$ 8 bilhões para fundos da Saúde
  • R$ 2 bilhões para a Assistência Social
  • R$ 16 bilhões para o Fundo de Participação de Estados e Municípios (FPE e FPM)
  • R$ 3,9 bilhões em mais prazos para pagamento do Pasep (recolhido por estados e municípios)
  • R$ 20 bilhões em renegociação de dívidas