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Economia Coronavírus

Economistas receitam disciplina fiscal e reformas para pagar gastos com pandemia de coronavírus

Mesmo nas contas do governo, que serão revisadas nesta semana, rombo nas contas públicas já será o maior da história
Notas de real: déficit é estimado em quase meio trilhão de reais Foto: Pixabay
Notas de real: déficit é estimado em quase meio trilhão de reais Foto: Pixabay

SÃO PAULO - A forte elevação das despesas, indispensáveis para combater a pandemia do novo coronavírus , combinada com a queda na arrecadação de impostos acarretada pela atual crise, levará o país a fechar o ano com um rombo histórico nas contas federais que pode ultrapassar meio trilhão de reais. Apesar do gigantismo do número, especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que reduzir a dívida pública, que deve superar este ano a marca de 80% do PIB , é tarefa que pode ser feita sem maiores traumas.

É preciso garantir, entretanto, que as medidas que estão sendo tomadas neste momento não sejam transformadas em políticas permanentes. Se essa receita não for seguida, a recuperação da economia brasileira ficará comprometida.

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— Todos os cenários consideram a transitoriedade do impulso fiscal e a volta do país ao caminho das reformas. Estamos fazendo tudo isso por meio de aumento do endividamento público. Precisamos fazer com foco e de uma maneira que nos permita sair da crise organizados, para a recuperação da economia ser mais rápida — afirma a economista-chefe do Banco Santander, Ana Paula Vescovi.

— Se titubearmos nas reformas mais à frente, a recuperação vai ser mais lenta e mais cara — destaca a economista, que foi a número dois da equipe econômica do governo Michel Temer.

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Recuo ou tombo?

Pelas contas oficiais, o governo federal (União, Banco Central e Previdência) encerrará o ano com um déficit primário (diferença entre receitas e despesas, sem considerar os gastos com juros) de R$ 419,2 bilhões, o que corresponde a 5,55% do PIB, o conjunto de bens e serviços produzidos pelo país.

Essa estimativa foi feita considerando a possibilidade de a economia crescer 0,02% este ano. Os números serão atualizados esta semana. A equipe econômica reconhece que não há como o país crescer em 2020 , e o próprio ministro Paulo Guedes já admite queda de 1,5% a 4%, dependendo da duração da desaceleração da atividade imposta pela pandemia.

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O GLOBO ouviu sete especialistas sobre os cenários mais prováveis para a economia em 2020 e os resultados das contas públicas. As estimativas feitas até agora indicam que o país pode passar por leve retração, de 0,5%, até um tombo de mais de 6% do PIB.

— Isso expressa o tamanho da crise, da dificuldade que estamos passando — afirma Ana Paula Vescovi.

As previsões dos especialistas Foto: Arte O Globo
As previsões dos especialistas Foto: Arte O Globo

Ela lembra que os gastos anunciados pelo governo para combater os efeitos da pandemia, estimados até semana passada em cerca de R$ 230 bilhões, são a parte mais fácil do cálculo sobre o desempenho das contas públicas neste ano de 2020.

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— O que realmente terá impacto e faz a diferença é o que vamos perder de receita — pondera a economista, que foi a primeira mulher a comandar a Secretaria do Tesouro Nacional.

Nas contas do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o déficit primário será de, no mínimo, R$ 500 bilhões, o equivalente a 7% do PIB. Velloso estima queda de 5,5% da economia este ano.

— O governo vai ter que aumentar gastos, e as receitas vão cair. Mas esse não é o maior problema. A questão é termos alguma perspectiva em relação às medidas sanitárias de isolamento social para reativar a economia — argumenta Velloso.

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A preocupação central dos especialistas é evitar que as despesas extraordinárias de 2020 sejam transformadas em permanentes em 2021.

— Esse é um risco nada desprezível, por isso, é importante que o governo seja claro na comunicação e sinalize aos investidores que, no curto prazo, as coisas vão piorar, mas as regras fiscais serão mantidas, e a agenda de reformas será retomada — afirma o economista Fábio Klein, especialista em contas públicas da consultoria Tendências.

O economista-chefe do banco Haitong, Flávio Serrano, concorda com essa análise:

— Mesmo que não avance a reforma administrativa, a tributária, só o fato de ter uma visão mais ortodoxa do ponto de vista fiscal, voltar a ter um quadro de mais controle dos gastos, será fundamental.

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Mas Klein insiste: mesmo que a dívida chegue a 83% do PIB, ou um pouco mais, com a retomada da agenda de reformas e a manutenção das premissas fiscais, o país deve manter a tendência de queda que vinha sendo registrada.

— Mesmo partindo de um patamar maior, a dinâmica de queda que vinha sendo observada fica preservada com as reformas andando.

O professor de economia do Insper João Luiz Mascolo teme que a tsunami do coronavírus desvie o governo, por mais tempo, da trilha da austeridade fiscal.

— Em 2021, pode ser que as reformas não andem, e o ano de 2022 é de eleição. Isso pode levar a dívida pública a continuar subindo — afirma o professor. — A dívida só vai entrar em trajetória de queda quando o país tiver um superávit de pelo menos 2% a 2,5% do PIB. E isso vai levar cinco ou seis anos, se as reformas andarem e a austeridade fiscal permanecer.

Recuperação da atividade

Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, pondera que a retomada do crescimento em 2021 ajudará no processo de redução do endividamento público:

—Essa recuperação da atividade ajuda na dinâmica da dívida. Com o ajuste sendo feito pelo lado do corte de gastos, a Taxa Selic pode ficar baixa, o déficit primário volta para ao redor de 1% do PIB. E o país volta a crescer com investimento privado.

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Professor da FGV/EAESP e especialista em administração pública e governo, Nelson Marconi reconhece que o cenário de 2020 não abre muitas alternativas para a equipe econômica:

— É tentar reduzir as perdas sociais e econômicas e retomar as reformas em 2021.