RIO — Em
21 de agosto de 1958, O GLOBO registrava pela primeira vez em suas páginas
o surgimento do marco inicial da bossa nova. Lançado naquele mês, o 78 rotações de “Chega de saudade”, de João Gilberto, foi o estopim da revolução provocada pelo gênero. Agora, 60 anos depois, o jornal volta novamente para o que aconteceu a partir do momento em que aquele disco começou a rodar nas vitrolas — deixando para sempre uma marca no peito dos desafinados do Brasil (e, em seguida, do mundo), e influenciando gerações.
Este especial é em boa parte dedicado ao aniversário de seis décadas da bossa nova, e lança luz sobre as transformações provocadas por aquela batida — em
ritmo
,
letra
e
harmonia
.
Uma linha do tempo com os marcos
da história da bossa nova e uma discografia de 12 álbuns fundamentais do gênero completam o material especial, assim como o vídeo no qual Mario Adnet, ao violão, explica a batida de João e avalia os caminhos que levaram até ela.
O álbum está mergulhado no romantismo do samba-canção, apesar da modernidade que já se mostrava nas canções de Tom e Vinicius. Mas é ali que "Chega de saudade". E o violão de João Gilberto aparece pela primeira vez, anunciando o futuro.
"Chega de saudade", João Gilberto (1959):
Disco-manifesto do movimento, o álbum é o primeiro do baiano. Ali, ele desenvolve a batida apresentada ao mundo no compacto lançado no ano anterior, juntando os antigos (Ary Barroso, Zé da Zilda) com os garotos (Carlos Lyra, Tom Jobim). E sua "Bim bom" sintetiza tudo.
"Rapaz de bem", Johnny Alf (1961)
As harmonias do pianista o credenciaram como um dos precursores mais importantes da bossa nova. Mas Alf lançou esse seu primeiro LP apenas depois da explosão inicial do movimento. Mesmo assim, canções como "Ilusão à toa" e a faixa-título continuavam (e continuam) modernas.
"A bossa nova de Roberto Menescal", Roberto Menescal (1962)
O compositor, militante de primeira hora do movimento, mostra músicas como "Você" e "A morte de um deus de sal" (ambas com Ronaldo Bôscoli), ao lado de obras de outros artistas, como "Bolinha de papel" (Geraldo Pereira).
"Você ainda não ouviu nada!", Sérgio Mendes & Bossa Rio (1963).
O pianista preparou este clássico da bossa instrumental quando começava a trilhar sua carreira de fenômeno do tropical-jazz nos Estados Unidos. No disco, ele injeta vigor irresistível em "Nanã" e "Garota de Ipanema", entre outras.
"Vinicius & Odette Lara", Vinicius de Moraes e Odette Lara (1963)
Vinicius de Moraes estreia como cantor ao lado de Odette Lara, interpretando exclusivamente parcerias suas com Baden Powell. O disco inclui clássicos como "Berimbau", "Samba em prelúdio" e "Samba da benção".
"Bossa balanço balada", Sylvia Telles (1963):
A cantora que melhor soube fazer a transição do antigo samba-canção romântico para a moderna bossa nova reúne aqui os dois universos. Ora mais derramada ora mais contida, ela passeia por um repertório que inclui "Rio", "Samba do avião", "Insensatez" e "Vagamente".
"The composer of desafinado plays", Tom Jobim (1963)
Gravado nos Estados Unidos, com arranjos do maestro alemão Claus Ogerman, este foi o primeiro disco no qual Tom, solo, lançou seu olhar sobre a própria obra. Indispensável, portanto. Estão lá "Garota de Ipanema", "Corcovado", "Samba de uma nota só", "Chega de saudade"...
"Muito à vontade", João Donato (1963):
O pianista e compositor sempre acompanhou a bossa nova pelas beiradas, com uma obra independente e personalíssima. Assim, soube ampliar suas fronteiras. É o que provam "Vamos nessa", "Sambou... sambou" e "Olhou pra mim" (esta de Ed Lincoln e Silvio César).
"Nara", Nara Leão (1964)
Cantora-símbolo do movimento, Nara já estava prestando atenção no chamado samba de morro quando estreou em LP. O disco reflete essa inquietude da artista ao unir, na voz bossa nova de Nara, compositores como Lyra, Cartola, Vinicius, Nelson Cavaquinho, Baden e Zé Ketti.
Moderno, traz a segunda geração da bossa nova representada pela mulher que sintetizava essa modernidade. Com produção de Menescal e arranjos orquestrais de Eumir Deodato, traz a primeira safra de composições de Edu Lobo, Francis Hime e Marcos Valle.
"Getz/ Gilberto", Stan Getz, João Gilberto e Tom Jobim (1964)
Só o fato de trazer a gravação de "Garota de Ipanema" que conquistou os Estados Unidos, com Astrud Gilberto, já bastaria para inclur este disco aqui. Mas há ainda as interpretações para pérolas como "Só danço samba" e "Doralice".
"Pobre menina rica", Carlos Lyra e Vinicius de Moraes (1964)
O disco traz clássicos do musical da dupla, como "Primavera" e "Sabe você?". O álbum captura compositor e letrista em ótima forma. O próprio Lyra o definiu como "um dos momentos mais ricos de nossa parceria — e de minha carreira".
"O compositor e o cantor", Marcos Valle (1965)
Em seu segundo disco, todo de parcerias com seu irmão Paulo Sérgio Valle, Marcos Valle gravou músicas como "Preciso aprender a ser só", "Samba de verão" e "Gente", dando sangue (ainda mais) novo à bossa nova. Depois, ele trilharia outros rumos.
O especial documenta ainda a importância formadora do gênero que, se não define mais os anseios do Brasil de hoje (quando o sertanejo e suas variações são a grande música popular, ao lado do funk), ainda segue sendo pertinente para que se entenda o país. Mais do que isso, continua sendo ouvido, como mostra o levantamento feito pela Playax, empresa de inteligência estratégica para desenvolvimento de audiência, a pedido do GLOBO.
Segundo a pesquisa, a bossa alcança, nas rádios do Brasil, uma média mensal aproximada de 350 mil pessoas — uma fração dos 35 milhões de ouvintes do sertanejo, mas ainda assim significativa.
— A bossa nova é um gênero consolidado, que há anos mantém uma linha reta de consumo, não sofre grandes impactos — avalia Paulo Rocha, diretor de marketing da Playax. — É um gênero ícone, mais consumido por um público mais velho. Mas seu comportamento estável de consumo ao longo dos anos mostra que o público se renova, ou seja, ela não vai desaparecer com a morte de fãs mais velhos.
O levantamento — mais detalhado abaixo — ainda mostra quais são os artistas da bossa nova que mais tocam nas rádios brasileiras hoje. Além disso, aponta os estados em que a bossa nova é mais ouvida. Uma curiosidade: em termos proporcionais, o Acre lideraria o ranking (pela população menor associada ao fato de uma única rádio que domina a audiência local e que toca também músicas do gênero).
Os mais ouvidos
Audiência aproximada nas rádios em 2018
Tom Jobim
35.763.700
João Gilberto
14.810.300
João Donato
12.826.600
Nara Leão
12.780.200
Vinicius de Moraes
11.073.300
Roberto Menescal
4.286.100
Carlos Lyra
1.304.600
Fonte: Playax
Os mais ouvidos
Audiência aproximada nas rádios em 2018
Tom Jobim
35.763.700
João Gilberto
14.810.300
João Donato
12.826.600
Nara Leão
12.780.200
Vinicius de
Moraes
11.073.300
Roberto
Menescal
4.286.100
Carlos Lyra
1.304.600
Fonte: Playax
Portanto, este especial é só e é isso tudo, com objetivo de sintetizar em pouco espaço algo enorme. Como o “bim bom” de João Gilberto: nosso coração pediu assim.