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'Investir em diversidade e inclusão tem impacto positivo nos lucros', diz executiva de multinacional

Chefe de Diversidade e Inclusão na Coca-Cola, Lori George Billingsley quer mulheres ocupando 50% dos cargos de liderançana empresa
A americana Lori George Billingsley é Chefe Mundial de Diversidade e Inclusão na Coca-Cola Foto: Arte sobre foto de Stella Ribeiro
A americana Lori George Billingsley é Chefe Mundial de Diversidade e Inclusão na Coca-Cola Foto: Arte sobre foto de Stella Ribeiro

RIO - A inclusão está na alma de Lori George Billingsley. Ela olha para você pela primeira vez, sorri, abre os braços e diz: "eu gosto de abraços". Foi abraçando pessoas e suas diversidades que assumiu, em outubro passado, o cargo de Chefe Mundial de Diversidade e Inclusão, na Coca-Cola, com a missão de fazer dessa uma empresa 50% feita por mulheres — e não só na base.

Mulher e negra, Lori vê na inclusão uma oportunidade, não só de oferecer novas perspectivas e refletir os consumidores, mas também de melhorar finanças: “É bom para os negócios”, diz. E prova com números: US$ 25 trilhões podem ser somados ao PIB mundial com a igualdade de gênero, segundo dados da Bloomberg, e há um aumento de 41% na receita das equipes em que homens e mulheres são igualmente representados (Clear Company).

Em 2018, 47,7% da mão de obra da Coca-Cola era formada por mulheres; 51,4% delas estavam na base, e 32,1% nos cargos de liderança. O avanço agora acontece, principalmente, nos cargos intermediários, passando de 43% (2016) para 45,1% (2018). Isso é como uma preparação de terreno para que parte dessa força de trabalho seja promovida.

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Em entrevista à CELINA , Lori fala sobre estratégias para avançar na igualdade de gênero no mundo dos negócios e como, apesar dos obstáculos, devemos ser “parte da solução”.

O GLOBO: Você assumiu, em outubro passado, o cargo de Chefe Mundial de Diversidade e Inclusão na Coca-Cola. Qual é o seu foco?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Globalmente, focamos no talento feminino em nossa empresa. Estamos em mais de 200 países, e isso varia de acordo com o mercado. Em alguns, pode ser raça. Em outros, pode ser geracional ou pessoas com deficiência... Então, realmente depende das necessidades do mercado. Mas pensamos universalmente a questão da mulher. Dialogamos com cada unidade, analisamos os dados, para ver as oportunidades de diversidade e inclusão que têm em seus mercados, e trabalhamos em cima disso. Queremos ter impacto, e sabemos que isso está na questão feminina.

Nos Estados Unidos, por exemplo, temos um foco muito importante em diversidade sob a perspectiva étnica. Sabemos que muito do nosso crescimento naquele país vem do segmento multicultural. Então, se queremos refletir nossos consumidores, queremos ter certeza de que nossos funcionários os representam. Mas, se você vai a Ásia, por exemplo, a etnicidade pode não ser um assunto. O que realmente corta todo nosso sistema é gênero.

O GLOBO: Qual sua percepção sobre o Brasil no que diz respeito à diversidade?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: É a minha primeira vez no Brasil, mas conversei bastante com colegas sobre como veem o país. Em geral, algumas coisas que entendo é que há realmente questões sobre raça: há o background português, o indígena e o afro-brasileiro. Essa é a questão histórica. Me falaram também sobre as diferenças socioeconômicas.

O GLOBO: O que nós, mulheres, podemos almejar no mercado de trabalho? Quanto tempo para ver mudanças?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Uma coisa que buscamos é que nossa empresa seja liderada por 50% de mulheres. Como chegar a esse número? Quantos cargos estão abertos, e em que níveis? Sabemos que não vamos chegar lá rápido. Estudos mostram que transformações na área de diversidade e inclusão levam oito anos.

O GLOBO: Quais estratégias podem ser usadas dentro de uma empresa para chegar à igualdade de gênero?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Temos quatro áreas de foco principais. Estamos fazendo um robusto programa de apoio, que ajuda mulheres de talento para que sejam capazes de assumir novos cargos na empresa. Não é uma mentoria. É colocá-las onde são tomadas as decisões sobre postos de trabalho abertos.

Tem a questão da mobilidade: se queremos que a mulher tenha uma experiência em outra parte do mundo, de forma que ela precise se mudar, então é preciso levar em conta qual é a sua situação familiar e como acomodar isso. Queremos que tenha essa experiência, mas também queremos que siga com a família intacta.

Outro aspecto é a divulgação de narrativas. Quando você vir alguém que parece com você em cargos mais altos, pensará “eu posso desejar ser isso”. É modelo. Além disso, é importante valorizar coisas que as mulheres fazem e que têm impacto nos negócios para que outras pessoas vejam.

Por fim, é fundamental ter consciência dos seus preconceitos. Recentemente, fui tendenciosa: tinha uma vaga na minha equipe, e eu estava contratando uma pessoa de fora da empresa. Quando vi que um dos candidatos tinha frequentado a mesma faculdade que eu, pensei: “É essa pessoa, vai ser fabuloso!” É claro que é uma distorção, mas você se conecta imediatamente a pessoas que são como você ou que têm experiências semelhantes. Então é preciso ter consciência desses preconceitos, particularmente quando se trata de avançar no talento feminino.

O GLOBO: Em diversas áreas, como na ciência, no mundo acadêmico ou empresas, vemos um grande número de mulheres, mas sempre na base, pouquíssimas nos postos de comando. Por quê?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Você precisa realmente de muita força de vontade para conseguir esse avanço. Isso acontece por vários fatores: preconceitos, talentos femininos que deixam o trabalho para criar filhos, ou por outros motivos, como ter mobilidade para uma mudança de cidade, por exemplo. Qualquer que seja o caso, é preciso ter uma intenção clara para que as mulheres avancem.

O GLOBO: Precisamos fazer isso porque é o certo. Mas também é bom para os negócios, não é?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Sim, absolutamente. Se você vir o impacto social e econômico da mulher, ela é a consumidora principal. Então, sob uma perspectiva de negócios, faz sentido investir nas nossas consumidoras. Por que diversidade faz sentido? Porque investir em diversidade e inclusão tem impacto positivo nos lucros. Equipes diversas trazem diferentes perspectivas que ajudam a empresa a avançar. Equipes que têm diversidade e inclusão nas suas prioridades, têm performance melhor.

O GLOBO: Você acredita que, hoje, a igualdade de gênero é uma tendência entre as empresas?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Nos juntamos a algumas empresas em que CEOs assumiram o compromisso de avançar na igualdade para as mulheres no mercado de trabalho. O Catalyst CEO Champions for Change reúne 50 organizações globais que se comprometeram com isso. E já está dando resultados: as empresas signatárias têm, por exemplo, 38,1% de mulheres no cargo de gerente, enquanto a média global é de 33%. Na Coca-Cola, vamos além, com 51,4%. Acho que, realmente, há um movimento para esclarecer CEOs sobre a importância de avançar o talento feminino. E, mais uma vez, não só porque é uma coisa boa para fazer, mas porque é bom para os negócios.

O GLOBO: Como é sua experiência no mundo dos negócios, sendo mulher e negra?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Eu cresci numa casa em que minha mãe era professora e meu pai, pastor. Eles traziam pessoas de todos os estilos de vida para a nossa mesa. Podia ser um pastor, um político, um homem de negócios, todos entravam e falavam sobre problemas na comunidade, sobre como integrar nossos bairros, reforma educacional, questões e soluções. Essa foi minha primeira exposição à diversidade e à inclusão, envolvendo todos para resolver problemas complexos. Isso ajudou a moldar meu pensamento. Em cada trabalho que estive, havia esse componente de diversidade e inclusão. Seja sendo a única pessoa de cor ou a única mulher ou a única mulher negra.

O GLOBO: Foi muito duro?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Pode ser duro, especialmente se você não sabe como navegar essas situações. Como eu fui exposta desde cedo a entender pessoas diferentes, estar incluída nas conversas, isso me deu outras perspectivas. Quando eu entrava numa sala e era a única, sentia a responsabilidade de compartilhar minha perspectiva. Meu pai acabou sendo um diplomata, e viajávamos pelo mundo, conhecendo culturas, entendendo aspectos de fora dos EUA. Acho que isso me ajudou a me sentir confortável mesmo nas conversas mais difíceis.

O GLOBO: Que tipo de conversas?

LORI GEORGE BILLINGSLEY: Houve momentos em que eu tive que dizer para colegas: "você pode não estar ciente disso, mas quando descreve essa pessoa, que é afro- americana, com palavras como agressiva, forte e teimosa, isso pode ser, apenas considere, um preconceito, já que quando descreve outras pessoas não usa essas palavras". Acho que devemos alertar às pessoas quando elas são preconceituosas. Estar nessas situações desde cedo me mostrou que eu tenha responsabilidade como mulher, como mulher afro-americana e como mulher afro-americana cristã de representar uma dessas coisas caso seja a única num ambiente. Ou então a minha perspectiva não será compartilhada.

O GLOBO: Nem todo mundo consegue interromper uma reunião. Grande parte das pessoas ouve, fica incomodada, mas não diz nada.

LORI GEORGE BILLINGSLEY : Sim, mas aí você não é parte da solução. O motivo pelo qual amo o meu trabalho é a oportunidade de fazer grandes coisas na empresa e, qualquer que seja o problema, poder ser parte da solução. Ficar num canto, isolada... Eu digo não: se jogue, seja parte da solução. Ou então, qual o sentido?