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Política

Grupo que divulga táticas para 'exterminar a esquerda' treina voluntários em Brasília

O “300 do Brasil” tem divulgado manifestos sugerindo o uso de táticas de guerrilha para “exterminar a esquerda” e “tomar o poder para o povo”
Acampamento do “300 do Brasil”: barracas foram retiradas pela PM-DF, mas apoiadores se reúnem em chácara e defendem “extermínio da esquerda” Foto: WAGNER PIRES/FUTURA PRESS/03-05-2020
Acampamento do “300 do Brasil”: barracas foram retiradas pela PM-DF, mas apoiadores se reúnem em chácara e defendem “extermínio da esquerda” Foto: WAGNER PIRES/FUTURA PRESS/03-05-2020

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Com ameaças ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal ( STF ), grupos mais radicais no apoio ao presidente Jair Bolsonaro vêm ganhando protagonismo nas manifestações em favor do governo federal. Nas últimas semanas, assumiram a linha de frente dos atos antidemocráticos em Brasília. Com forte poder de penetração junto a aliados do presidente, um deles tem chamado a atenção e ganhado cada vez mais adeptos.

Liderado pela ativista Sara Winter, ex-integrante do grupo ucraniano Femen, o “300 do Brasil” tem divulgado manifestos sugerindo o uso de táticas de guerrilha para “exterminar a esquerda” e “tomar o poder para o povo”. O nome é uma referência aos 300 de Esparta, filme baseado numa história em quadrinhos que conta a saga de três centenas de guerreiros espartanos que lutaram até à morte para defender seu território.

Criado no mês passado, quando a ativista começou a recrutar voluntários num grupo do aplicativo Telegram, o grupo hoje soma 3,2 mil participantes. Alguns deles permanecem acampados há dias na Esplanada dos Ministérios e dizem que apenas sairão de lá “quando Rodrigo Maia cair”, referindo-se ao presidente da Câmara.

Com objetivos díspares como “recuperar a soberania nacional e buscar a independência econômica da China”, além de “combater o totalitarismo da esquerda e os mecanismos de corrupção da classe política tradicional”, o acampamento oferece aos voluntários, desde o dia 27 de abril, treinamentos “com especialistas em revolução não violenta”.

Na semana passada, apoiadores do presidente agrediram jornalistas que acompanhavam manifestação que terminou em frente ao Planalto. O caso está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.

MP investiga

O “300 do Brasil” prevê ainda debates sobre “táticas de guerra de informação, palestras sobre a atual situação política, econômica e social do Brasil”. O endereço da chácara onde está montado o acampamento principal não foi divulgado, mas fica no Distrito Federal.

As táticas de guerra a que se referem seriam os 198 métodos de ação não violenta divulgados no site do ideólogo de direita Olavo de Carvalho, influenciador do presidente Bolsonaro e de seus filhos. As discussões de seus integrantes passam ainda por ações que vão desde a confecção de pôsteres, folhetos e panfletos até o “assédio não violento” e a pretensa instituição de um governo paralelo.

O grupo prega que seus participantes “não são militantes, mas militares”, e que “precisam retomar o poder”. “Junte-se a nós. Seja parte do exército que vai exterminar a esquerda e a corrupção”, informa uma das mensagens oficiais no grupo do Telegram, sem deixar claro a que tipo de extermínio se refere.

Impedida pela PM de montar barracas na Esplanada, Sara Winter e um pequeno grupo de militantes estão mantendo a ocupação usando sacos de dormir.

Entre os integrantes do “300 do Brasil” estão Evandro de Araújo Paula, assessor da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que demonstrou apoio ao grupo. Araújo já fez piada com a morte de Marielle Franco e defendeu a prisão de Dias Toffoli e Gilmar Mendes nas redes sociais. Ele publicou em seu Facebook, em janeiro, uma foto ao lado de uma camiseta com o desenho da vereadora assassinada, e a frase: “Marielle vive, enchendo o saco (sic)”.

Em outra ocasião, ele escreveu na mesma rede que “ver Gilmar Mendes e Dias Toffoli na cadeia seria algo magnífico”. O grupo é formado também por militantes vindos de diversas regiões do país. Evandro e Sara não responderam aos pedidos de entrevista feito pelo GLOBO.

Na última quinta-feira, a bancada do PSOL na Câmara solicitou ao Ministério Público a abertura de um inquérito para investigar Sara Winter e a possível “formação de milícia” com o “300 do Brasil”. Segundo a colunista do GLOBO Bela Megale, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen enviou uma representação à Procuradoria do DF pedindo a investigação do acampamento.

Sara Winter se notabilizou na direita radical pela militância contra a descriminalização do aborto, após ter passado pelo movimento feminista. No Femen (grupo feminista criado na Ucrânia em 2008), conheceu a hoje deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), também pertencente ao grupo. A relação entre as duas hoje, no entanto, não é mais próxima.

Sara foi candidata a deputada federal em 2018 pelo DEM, mas não se elegeu. Em 2019, foi chamada para coordenar políticas para a maternidade no Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos de Damares Alves, quem a ativista considera sua “segunda mãe”.

Por meio de financiamento coletivo, o “300 do Brasil” arrecadou mais de R$ 60 mil para o acampamento, de acordo com a plataforma virtual usada pelo grupo. O montante, diz Sara, não tem dinheiro público e está sendo usado para a “contratação de uma propriedade particular para colher e treinar os ativistas, além do preparo de refeições e disponibilidade de chuveiros para banho”.

A ajuda de terceiros é o que mantém a militância de Sara Winter ativa. Alegando ter sido “acometida por esta crise econômica”, ela estreou página numa plataforma de financiamento coletivo para que os seus seguidores a ajudassem a pagar as contas. A meta é arrecadar R$ 5 mil por mês para conseguir “pagar todas as minhas contas e aos pouquinhos quitar minhas dívidas do cartão de crédito”. Atualmente, ela recebe regularmente R$ R$ 2.693 por mês, doados por 114 apoiadores.