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Política

'Farra dos Guardanapos' de Sérgio Cabral completa dez anos

Alguns personagens que participaram da festa tiveram problemas com a Justiça anos depois
Fotos do dia da "Farra dos Guardanapos" Foto: Editoria de arte
Fotos do dia da "Farra dos Guardanapos" Foto: Editoria de arte

RIO — Tocou Frank Sinatra, Vanessa da Mata, Jorge Bem e Seu Jorge na festa que era realizada no Hotel La Paiva, um palácio destinado a recepções de luxo na Avenida Champs-Élysées, em Paris, naquela noite de 14 de setembro de 2009. Animados, alguns dos convidados ilustres dançaram ao som de “You never can tell”, de Chuck Berry, lembrando a cena clássica de Uma Thurman e John Travolta na pista de dança em Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Mas, na comemoração regada com 300 garrafas de vinho e uísque e com direito a climão por ciúmes, outra cena chamou atenção: a de secretários estaduais do Rio e empresários com guardanapos na cabeça. Não à toa, o evento ficou conhecido como “ Farra dos Guardanapos ”, que completou dez anos ontem.

Muitos dos que aparecem nas fotos caíram em desgraça, a começar por aquele que foi o motivo da celebração: o ex-governador Sérgio Cabral . Naquela noite de verão em Paris, o emedebista comemorava o recebimento da condecoração máxima do governo francês, a comenda Légion D`Honneur. Sete anos, dois meses e três dias depois, Cabral foi preso na Lava-Jato , acusado de receber propinas de empresários.

O emedebista acumula até agora uma pena de 234 anos e seis meses de prisão por crimes como pertencimento a organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Desde fevereiro deste ano, passou a admitir o recebimento de vantagens indevidas que bancavam uma vida de luxo. E foi além, apontando condutas inapropriadas e crimes daqueles que dividiram com ele os vinhos e uísques naquela noite de comemoração.

Festa com 150 convidados

Braço-direito de Cabral e fiel escudeiro desde os tempos de colégio, quando ambos faziam parte da “turma do fundão” da sala de aula, Wilson Carlos era secretário de Governo quando apareceu com o guardanapo na cabeça. Foi ele um dos convidados, entre os 150 que estavam lá, que puxou o trenzinho da alegria que aparece em algumas das fotos. Assim como o ex-governador, está preso desde o dia 17 de novembro de 2016. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a conceder em dezembro do ano passado um habeas corpus para soltá-lo, o que não aconteceu porque havia outros mandados de prisão contra o ex-secretário. Nos depoimentos, sempre preferiu o silêncio. Já foi condenado cinco vezes na Lava-Jato a penas que somam 71 anos e 9 meses de prisão.

Wilson Carlos não foi o único a puxar o trenzinho naquele dia, quando o relógio marcava umas 23h. Foi auxiliado pelo colega de governo, o então secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, que, igualmente animado, foi um dos que atou o guardanapo à cabeça. Côrtes chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Saúde. O burburinho durou pouco. Foi preso duas vezes pela Lava-Jato, acusado de receber propinas, e está solto desde abril deste ano. No fim de 2017, admitiu à Justiça ter recebido até R$ 150 mil anuais em vantagens indevidas, enquanto era secretário. Afirmou ainda que, já fora do governo, ganhou US$ 5 milhões depositados em uma conta na Suíça para financiar uma eventual candidatura a deputado federal em 2014.

Naquelas quatro horas de festa, quem também puxou o trenzinho ao lado dos ex-secretários foi o empresário Georges Sadala, responsável pelo serviço do Poupa Tempo. Foi preso em novembro de 2017 e solto um mês depois. É réu, por pagar propina ao ex-governador, mas negou as acusações em depoimento. Cabral, ao contrário, admitiu tudo. E mais: disse que as vantagens indevidas não foram de R$ 1,3 milhão como o Ministério Público Federal (MPF) relatou na denúncia, mas de R$ 1,5 milhão. A título de curiosidade: esse foi o custo da gandaia daquela noite na capital francesa.

Comemoração antecipada

Ainda na ala do empresariado, Fernando Cavendish foi outro a aparecer nas imagens com o guardanapo na cabeça. Assim como Sadala, o então dono da Delta mantinha uma relação de amizade com Cabral. Foram muitos os fins de semana que os dois empresários passaram na companhia do ex-governador no condomínio Portobello, em Mangaratiba. Wilson Carlos e Côrtes também faziam parte da vizinhança.

A proximidade de Cabral e Cavendish ficou escancarada quando uma tragédia familiar revelaria que as relações entre os dois iam além dos negócios públicos. Na queda de um helicóptero, em junho de 2011, na Bahia, morreram Mariana Noleto, namorada do filho do então governador; Jordana Kfuri, mulher do ex-presidente da Delta; e mais quatro pessoas. Cabral e o filho Marco Antônio também participavam da viagem, mas não embarcaram na aeronave, que levou somente as mulheres e as crianças. O motivo da ida à Bahia foi a festa de aniversário de Cavendish.

Para o MPF, a “Farra dos Guardanapos” foi uma comemoração antecipada da compra de votos para a escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 - a eleição da cidade aconteceu em outubro daquele ano, um mês depois da festa em Paris.  Em depoimento, Cabral negou. Disse que a celebração foi por conta da comenda que recebera e porque, naquela semana, a mulher de Cavendish descobrira que estava grávida. O empreiteiro foi preso em julho de 2016 e solto em agosto do mesmo ano.

De acordo com os procuradores do Ministério Público, entre 2007 e 2012, a Delta faturou quase R$ 11 bilhões, só com verbas públicas, o que representa 96,3% de tudo que ganhou nesse período. Desse total, o MPF afirma que, pelo menos, R$ 370 milhões foram desviados. Depois da prisão, Cavendish tornou-se delator e confirmou ter pago propinas a Cabral para atuar na reforma do Maracanã.

Na imagem mais famosa da “Farra dos Guardanapos” também estava o então secretário municipal de Urbanismo do Rio, Sérgio Dias. Da foto, foi o único que não foi alvo da Lava-Jato. Ele é casado com Ana Lúcia Jucá, que executou sete projetos em imóveis ligados aos Cabral. Ela já admitiu, em depoimento aos investigadores, que recebia a remuneração pela contabilidade paralela gerida por Luiz Carlos Bezerra, homem de confiança e um dos operadores do emedebista.

Outros ex-secretários

Outras fotos revelam quem estava entre os convidados que se deliciaram com ravióli de lagosta, bacalhau com chanterelles ou atum grelhado com brotos de espinafre, opções do cardápio na festa. Um dos nomes que permaneceu oculto por muito tempo foi o do ex-prefeito Eduardo Paes. Desde aquela noite, ele foi reeleito em 2012, viu seu indicado para sucessor, Pedro Paulo, perde a disputa em 2016 e, em 2018, sofreu ele próprio uma derrota para Wilson Witzel na briga pelo Palácio Guanabara. Não foi alvo da Lava-Jato, embora, em depoimento, Cabral já tenha afirmado que campanhas do ex-prefeito receberam repasse de caixa dois.

Entre os que presenciaram o climão com a cena de ciúmes da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo naquela noite, quando uma cantora se aproximou de Cabral, estavam ainda o então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, preso em outubro de 2017 na Lava-Jato no processo que investiga a compra de votos para que o Rio fosse escolhido sede da Olimpíada de 2016. Nuzman passou 15 dias preso na Cadeia Pública de Benfica, na Zona Norte do Rio.

Ex-secretário da Casa Civil, Régis Fichtner foi preso duas vezes na Lava-Jato, mas atualmente está solto.  Numa primeira ação, foi acusado de ter recebido R$ 1,56 milhão em vantagens indevidas e usado seu cargo como chefe da Casa Civil para favorecer empresas de outros integrantes da organização. Na segunda, o MPF afirma que ele recebeu R$ 4,750 milhões em propina.

Então secretários estaduais, Joaquim Levy (Fazenda), Julio Lopes (Transportes) e Julio Bueno (Desenvolvimento Econômico) estavam na festa. Desde então, Levy foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff e presidente do BNDES na gestão de Jair Bolsonaro. Lopes tentou reeleição para deputado federal em 2018, mas não conseguiu. Bueno morreu em agosto deste ano.

Livro sobre a farra

Braço-direito de Cabral desde a época da Alerj, Aloysio Neves também estava na celebração. Foi preso enquanto exercia a presidência do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Foi afastado do cargo após a operação que investigou o pagamento de propinas aos conselheiros para que eles fizessem “vista grossa” para irregularidades em contratos e na execução de obras do estado. Neves está solto atualmente e responde a processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

As fotos que revelaram a “Farra dos Guardanapos” bem como alguns de seus participantes vieram à tona pelas mãos do maior inimigo político de Cabral, o também ex-governador Anthony Garotinho. Desde então, estremeceu o governo, virou ala de escola de samba no carnaval carioca e tema de livro. “A farra dos guardanapos — O último baile da Era Cabral”, do jornalista Sílvio Barsetti, editado pela Máquina de Livros, traz minúcias das muitas cenas citadas anteriormente nessa reportagem e muitos outros detalhes da noite que manchou o governo Cabral e que já revelavam, como o próprio ex-governador disse em depoimento, que o poder e o dinheiro eram um vício.

Os personagens da Farra dos Guardanapos

Comemoração no dia 14 de setembro de 2009, em Paris Foto: Reprodução
Comemoração no dia 14 de setembro de 2009, em Paris Foto: Reprodução

1. Sérgio Côrtes . Ex-secretário de Saúde, foi preso duas vezes pela Lava-Jato e está solto desde abril deste ano. É réu, acusado de receber propinas.

2. Georges Sadala . Ex-dono do Serviço Poupa Tempo, foi preso em novembro de 2017 e solto um mês depois. É réu, acusado de pagar propina ao ex-governador Sérgio Cabral.

3. Fernando Cavendish . O empreiteiro dono da Delta chegou a ser preso e tornou-se delator na Lava-Jato. Confessou ter pago propina a Cabral.

4. Wilson Carlos . Ex-secretário de Governo, foi preso com Cabral em novembro de 2016 e segue atrás das grades. Já foi condenado na Lava-Jato.

5. Sérgio Dias . À época, era secretário municipal de Urbanismo. Da principal foto da “Farra dos Guardanapos”, foi o único que não foi alvo da Lava-Jato.

. Foto: Reprodução
. Foto: Reprodução

6. Sérgio Cabral. Foi reeleito em 2010, fez o sucessor em 2014, mas, em novembro de 2016, foi preso pela Lava-Jato. Está condenado a 234 anos e 6 meses por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Em fevereiro deste ano, passou a admitir ter recebido propinas de empresários.

7. Joaquim Levy. Ex-secretário de Fazenda de Cabral e ex-ministro de Dilma. Foi diretor financeiro do Banco Mundial e presidente do BNDES na gestão de Jair Bolsonaro.

8. Ricardo Pernambuco Júnior. Dono da Carioca Engenharia, tornou-se delator da Operação Lava-Jato.

9. Aloysio Neves. Foi braço-direito de Cabral desde a época da Alerj. Foi preso enquanto exercia a presidente do TCE-RJ. Foi afastado do cargo após a operação. Está solto atualmente e responde a processo no STJ.

Quem também estava na festa:

Eduardo Paes. Não responde a processos na Lava-Jato. Em depoimento, Cabral já afirmou que campanhas do ex-prefeito receberam repasse de caixa dois. Paes perdeu a eleição para o governo do estado.

Carlos Arthur Nuzman. Ex-presidente do COB, foi preso na Lava-Jato no processo que investiga a compra de votos para que o Rio fosse escolhido sede da Olimpíada de 2016. Está solto.

Regis Fichtner. Então secretário da Casa Civil, foi preso duas vezes na Lava-Jato, mas atualmente está solto. Segundo o MPF, Fichtner teria recebido R$ 4,750 milhões em propina.