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Corte interamericana de Direitos Humanos condena Brasil por assassinato de Vladimir Herzog

É a primeira vez que a comissão reconhece um crime da ditadura no Brasil como ato contra humanidade

O jornalista Vladimir Herzog foi morto nas dependências do DOI-Codi em São Paulo, em 1975 Foto: Reprodução / Arquivo
O jornalista Vladimir Herzog foi morto nas dependências do DOI-Codi em São Paulo, em 1975 Foto: Reprodução / Arquivo

RIO — A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou ontem o estado brasileiro pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, durante a ditadura militar no Brasil. É a primeira vez que a CIDH reconhece um assassinato cometido durante a ditadura do Brasil como um crime contra a humanidade. A Corte já tinha emitido decisões semelhantes para casos de outros países da América Latina e condenado o Brasil em 2010 por não ter investigado os desaparecimentos ocorridos na Guerrilha do Araguaia.

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A CIDH considerou na sentença que o estado é responsável pela “falta de investigação, de julgamento e de punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato do jornalista”. O tribunal concluiu ainda que “o Estado não pode invocar a existência da figura da prescrição (...) ou a lei de anistia ou qualquer outra disposição semelhante ou excludente de responsabilidade para escusar-se de seu dever de investigar e punir os responsáveis”.

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Na sentença do caso Herzog, ficou estabelecido que daqui um ano o governo brasileiro deverá apresentar um relatório mostrando o que fez para reabrir as investigações contra os responsáveis pela morte e também como procedeu para pagar uma indenização de cerca de U$ 240 mil devido aos danos morais e materiais sofridos pela família com o assassinato do jornalista.

— Há 43 anos atrás eu perdi meu pai. Assassinato violentamente. Uma pessoa de paz, que gostava de pescar, fotografar a família, de astronomia. Eu tinha 9 anos, meu irmão 7 e minha mãe 34. Ele morreu por desejar que todos tivessem o direito à livre manifestação em um Estado democrático — escreveu Ivo Herzog, em sua página no Facebook. — Ficaram 43 anos de luta para que provássemos que ele foi barbaramente torturado e assassinado. Ficou a luta, capitaneada por Clarice Herzog, pela verdade e pela Justiça. Não encontramos esta resposta no país que meu pai adotou como pátria. Tivemos que buscar nas Cortes Internacionais. Finalmente, hoje, saiu a sentença tão aguardada — completou, ele.

Herzog nasceu na antiga Iugoslávia, em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia, mas devido a perseguição nazista a família veio para o Brasil. Ele era diretor de jornalismo da TV Cultura quando foi ao Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) para prestar um depoimento em 25 de outubro de 1975. Naquele dia, foi submetido a um interrogatório sob tortura e morreu devido à violência sofrida.

À época do crime, os militares afirmaram que Herzog tinha cometido suicídio dentro da prisão. Com uma tira de pano, os agentes amarraram o corpo pelo pescoço à grade de uma janela e chamaram um perito do Instituto Médico Legal paulista para fotografar a cena forjada de que Vlado, como era conhecido, tinha dado fim à própria vida. Para tentar comprovar sua versão, o governo militar divulgou a foto do corpo pendurado, em que se vê os pés do jornalista apoiados no chão, evidenciando a farsa.

Depois da morte, a Justiça Militar realizou uma investigação na qual sustentou a versão do suicídio. No entanto, em 1978, em uma ação cível, a família conseguiu o reconhecimento da responsabilidade do estado pela morte do jornalista, mas os militares que cometeram o assassinato nunca foram punidos.

Em 1992, as autoridades brasileiras iniciaram uma nova investigação, mas esta foi arquivada com base à interpretação vigente da Lei de Anistia. Anos depois, em 2009, o Ministério Público Federal tentou outra vez reabrir o caso, mas a juíza Paula Mantovani Avelino, titular à época da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, julgou que o caso estava prescrito.

A sentença da CIDH determina que o Brasil reabra as investigações e o processo penal “para identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog, em atenção ao caráter de crime contra a humanidade desses fatos e às respectivas consequências jurídicas para o Direito Internacional".

Só em 2012, a Justiça de São Paulo determinou a retificação do atestado de óbito do jornalista. Com a decisão, o motivo da morte de Herzog foi modificado de "asfixia mecânica" para “morte que decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São Paulo (DOI-CODI)”. A mudança foi feita após pedido da Comissão da Verdade, por solicitação da família do jornalista.

— Essas decisões são meios para alcançar novos patamares na nossa democracia — afirmou Beatriz Affonso, diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil) para o Brasil, que ajudou a família a apresentar o caso na CIDH.

O Ministério das Relações Exteriores informou, por nota, que encaminhará à CIDH, dentro do prazo estipulado de um ano, um relatório sobre as medidas implementadas para apurar a morte do jornalista. “O Brasil reconhece a jurisdição da Corte e examinará a sentença e as reparações ditadas", diz a nota.